terça-feira, 20 de abril de 2010

Ética da Alteridade na Perspectiva Cristã: " A Parábola do Bom Samaritano"




O drama ético é sempre uma indispensável questão para a sociedade. As formulações desta intriga estão diretamente relacionadas aos problemas que afetam a vida em seu aspecto social, político, econômico, psicológico, existencial e em todas as demais facetas da experiência humana.
Na contemporaneidade a ética da alteridade tem surgido como um novo modelo para se pensar a construção do conhecimento - epistemologia, e das relações humanas - ética. Este novo paradigma irrompe como denuncia profética aos modelos ético-epistemológicos solipsistas, egoístas e desumanizadores presentes na sociedade hodierna.


Resta-nos, portanto, pensar este paradigma à luz da mensagem cristã. Com este objetivo, realizaremos uma série de postagens sobre a ética cristã expressa na Parábola do Bom Samaritano.


Análise Bíblico-Teológica e Ético-Filosófica da Parábola

Derrett descreve a forma literária desta parábola como sendo: “uma peça didática altamente científica, vestida de um enganoso estilo popular” . Esta descrição fundamenta-se na compreensão de que a parábola do “Bom Samaritano”, para além de um simples conto didático, tem como finalidade formar o clímax de um sério debate teológico entre um intérprete da Lei e Jesus de Nazaré .

"E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas? A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento; e Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Então, Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto e viverás. Ele, porém, querendo justifica-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo? Jesus prosseguiu, dizendo: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semi-morto. Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente, um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar. Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu-lhe o intérprete da Lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então, lhe disse: Vai e procede tu de igual modo."

O debate teológico que origina esta parábola é composto de oito sentenças divididas em exatos dois instantes de debate. Em cada um destes tempos descritos, existem duas perguntas e duas respostas. No primeiro instante, o intérprete da Lei aproxima-se de Jesus a fim de interrogá-lo, conforme descrito no quadro a seguir :

Primeiro Instante
(1) Intérprete da Lei (Pergunta 1)“Que farei para herdar a vida eterna?” verso25
(2) Jesus (Pergunta 2) “Que esta escrito na Lei?” verso 26
(3) Intérprete da Lei (Resposta 2)“Amarás a Deus e a teu próximo” verso 27
(4) Jesus (Resposta 1) “Faze isto e viverás” verso 28

A estrutura literária deste primeiro instante é composta por um princípio de inversão. A primeira frase e a última refletem a questão de fazer e viver, a terceira e a quarta frase dissertam acerca da Lei. Desta forma, o debate converge em seu ponto inicial .
O diálogo inicia-se com uma pergunta aparentemente signa de elogio, mas que poderia, também, conter uma capciosa intenção de aviltar Jesus publicamente. O doutor da lei interpela Jesus a partir de uma séria questão teológica: “Que farei para herdar a vida eterna?” . A concepção da existência do infinito tem conduzido a humanidade, desde os tempos antigos, a uma busca contínua pela vida eterna. Na concepção judaica antiga, esta era interpretada como uma herança divina alcançada no por vir, e que se constituía como infindável quanto ao tempo e inapreensível quanto à qualidade .
Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica, Jesus o responde com uma contra-pergunta “Que está escrito na Lei? Como interpretas?” . Ao realizar esta contra-pergunta, Jesus estabeleceu, ainda que de forma implícita, que sua mensagem estava aderida de forma estrita aos princípios da sagrada Lei de Deus .
Inquirido pela contra-pergunta, o interprete da Lei respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” . Esta resposta é uma evidente combinação de dois textos mosaicos: Deuteronômio 6:5 e Levítico 19:18. Ao utilizar esta combinação, o intérprete da Lei estabeleceu, corretamente, o amor como à verdadeira essência de toda religião.
Ao findar o primeiro instante do debate, Jesus respondeu, de forma conspícua, a pergunta inicial de seu inquisidor ao afirmar: “Respondeste corretamente; faze isto e viverás” . É mister postular, que o verbo grego poie,w, que comumente é traduzido como “fazer, praticar” encontra-se, neste versículo, no particípio imperfeito de poi,ei, expressando, desta forma, uma idéia de ação constante, de prática vitalícia . Desta forma, a resposta de Jesus instaura uma necessidade latente de se estabelecer uma convergência entre ortodoxia e ortopraxia.
A premissa teológica do doutor da Lei estava de acordo com o ensino mosaico e, concomitantemente, com o evangelho de Jesus. Entretanto, o cerne da questão era: Será que este intérprete da Lei estava disposto a vivenciar o que de fato estava propondo? Sua disposição cognitiva era excelente, no entanto, seu desempenho ainda estava em dúvida .
Ao analisar esta parábola, Joachim Jeremias postula:

O fato de Jesus surpreendentemente remetê-lo ao agir como sendo a vida para a vida, deve se entender a partir igualmente desta situação concreta: todo o conhecimento teológico de nada serve, se o amor para com Deus e para com o próximo não determinar a direção da vida .


Destarte, encerra-se o primeiro instante do debate. As exigências da Lei foram expostas, entretanto, o intérprete da Lei não se satisfez com as respostas. Surge então a necessidade de alguma espécie de midrash, ou seja, algum tipo de comentário explicativo da Lei. O intérprete da Lei acreditava conhecer o Deus a quem deveria amar. Mas, e quanto ao próximo? Quem seria este no qual ele deveria dedicar seu amor?

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