terça-feira, 16 de novembro de 2010

A ÉTICA DA ALTERIDADE NA PERSPECTIVA CRISTÃ: A PARÁBOLA DO "BOM SAMARITANO" PARTE IV



O clamor por responsabilidade, que irrompeu do rosto em plena inópia do indigente, conduziu o samaritano a uma ortopraxia que o reafirmou como um “ser-para-o-outro”. Frente à face do outro, o samaritano foi interpelado a responder não apenas por si próprio, mas foi, anteriormente, conclamado a assumir uma responsabilidade indeclinável pelo outro.
A ação do samaritano é uma expressão da máxima da ética da alteridade. Ao se referir a está máxima o maior representante filosófico da ética da alteridade, Emmanuel levinasiana, postula:

Entendo responsabilidade como responsabilidade pelo Outro, por aquilo que não é feito meu, ou por aquilo que nem sequer me importa; ou o que precisamente e realmente me importa é enfrentado por mim como face .


Frente ao rosto do necessitado, o samaritano, atentou para a penúria do indigente. Conforme Levinas: “Ouvir a sua miséria que clama justiça não consiste em representar-se uma imagem, mas em colocar-se como responsável [...]” . Desta forma, o samaritano atentou para a situação de penúria do indigente responsabilizando-se por aquilo que não era feito seu.
A irrupção deste heróico personagem rompe com o modelo ético-teológico dominante. Este personagem, identificado na narrativa como sendo um samaritano, era um ícone de desprezo por parte dos judeus. O surgimento do povo samaritano é datado logo após a destruição do Reino do Norte – Israel, cuja capital era Samaria, pelo Império Assírio, por volta de 721 a.C.. Este vasto Império possuía uma política de dominação que visava destruir todos os vestígios de linhagem nacional dos povos dominados, miscigenando os habitantes residentes com outros povos também conquistados. Tal fenômeno resultou na formação de um povo mestiço, que se tornou alvo de preconceitos por parte dos judeus, que consideravam possuir uma “linhagem pura” .
No campo litúrgico também havia impasses entre judeus e samaritanos. Estes se diferenciavam dos demais judeus por centrarem suas práticas de adoração no Monte Gerizim, enquanto aqueles reconheciam apenas o templo de Jerusalém como local para a adoração. Por fim, o reconhecimento da autoridade do Pentateuco, em detrimento dos Escritos e dos Profetas, por parte dos samaritanos, era um fator que ascendia, ainda mais, as diferenças entre judeus e samaritanos .
A tensão existente entre este dois grupos alcançou seu ápice no ano de 128 a.C. quando os judeus, liderados por João Hircano, destruíram o templo samaritano no monte Gerizim. Vinte anos após o incidente, os judeus devastaram Samaria procurando impor suas políticas religiosas aos odiados samaritanos. Estes resistiram à política de unificação religiosa imposta pelos judeus. Com a conquista da Palestina pelo Império Romano, os samaritanos alcançaram libertação da tentativa de uma unificação político-religiosa judaica .
Por sua vez, os samaritanos foram responsáveis pelo estabelecimento de um enorme alvoroço em Jerusalém, datado por volta do ano 6 a 9 d.C., quando durante as festividades judaicas espalharam ossos humanos no pátio do Templo, profanando-o e impedindo com que os judeus celebrassem a Páscoa .
Ao estabelecer o samaritano, como o heróico personagem desta parábola, Jesus rompeu com o modelo ético-teológico vigente, que prezava pelo ódio ao diferente e limitava a prática de responsabilidade apenas ao semelhante.
Em nossa próxima postagem, daremos seguimento a essa análise ético/teológica da parábola do "Bom Samaritano"